Porque Factorings, Securitizadoras, FIDCs e ESCs, não devem lançar reserva de domínio em veículo, em garantia de qualquer operação de crédito?
É comum encontrar uma ou outra empresa do nosso mercado de fomento filiada ao SNG, mas, quando isso ocorre, seu acesso é sempre restrito ao lançamento da famosa ‘reserva de domínio’ sobre veículos.
Isto ocorre porque o SNG restringe o acesso à opção da ‘alienação fiduciária’ às instituições financeiras e às empresas simples de crédito.
Entretanto, o lançamento da ‘reserva de domínio’ sobre veículos não é uma operação lícita para o segmento de fomento comercial, e, muito pelo contrário, pode gerar sérios riscos econômicos e até criminais para a sua empresa.
Você sabe o que é ‘reserva de domínio’ sobre veículo?
O que é ‘reserva de domínio’ de veículo?
‘Reserva de domínio’ é uma cláusula especial no contrato de compra e venda de coisa móvel, regulada nos artigos 521 a 528 do Código Civil brasileiro.
Pode ser facilmente entendida pela leitura dos dois artigos abaixo transcritos:
Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.
Art. 522. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros.
Por óbvio, só existe reserva de domínio quando há compra e venda de bens móveis. E só reserva o domínio aquele que vende, ou seja, o proprietário anterior.
Primeira conclusão: a reserva de domínio não é uma garantia real, é uma cláusula do contrato de compra e venda.
A ‘reserva de domínio’ pode garantir uma operação de crédito?
Só se a operação for celebrada para a aquisição de um bem móvel (veículo), situação em que o proprietário ou lojista pode reservar o domínio (propriedade) do bem em seu nome, até o recebimento integral do preço de venda.
Nas operações de crédito celebradas no mercado de fomento comercial, não há compra e venda de bens móveis, logo, não pode haver cláusula de reserva de domínio.
Como dito na primeira conclusão: a reserva de domínio não é uma garantia real, é uma cláusula do contrato de compra e venda.
Quando celebrada como garantia real de uma operação de crédito, a ‘reserva de domínio’ não resultará de um contrato de compra e venda daquele, bem, logo, será uma operação simulada.
Esse tipo de simulação encontra previsão no Código Civil, nos seguintes termos:
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
1°Haverá simulação nos negócios jurídicos quando:
(…)
II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
Segunda conclusão: a reserva de domínio lançada por Factoring, Securitizadora, Empresa Simples de Crédito, FIDC, ou ainda, empresa de consultoria e cobrança, configura simulação.
Logo, o empresário acredita estar operando com uma garantia, mas, se precisar recorrer ao Judiciário, verá que, em verdade, operou com uma simulação.
E por fim, o empresário correrá alguns riscos que merecem ser ponderados.
Quais são os riscos de operar com a ‘reserva de domínio’?
A ‘reserva de domínio’ traz sérios riscos para o credor.
O primeiro risco é tributário ou fiscal.
Quem lança a ‘reserva de domínio’ (o credor), reserva o domínio (a propriedade) para si, ou seja, fica como proprietário do veículo.
Com isso, quem lança o gravame de ‘reserva de domínio’ no veículo, passa a ser o responsável pelo pagamento do seu IPVA.
Como o IPVA é um tributo Estadual, a legislação estadual é que trata dessa responsabilidade.
Em Minas Gerais, a reserva de domínio encontra previsão no art. 5º, III, da Lei Estadual nº 14.937, de 23/12/2003, vejam:
Art. 5º – Respondem solidariamente com o proprietário pelo pagamento do IPVA e dos acréscimos legais devidos:
(…)
III – o comprador, em relação ao veículo objeto de reserva de domínio;
Veja que o dispositivo legal considera responsável principal o proprietário (quem lançou o gravame) e solidariamente responsável o comprador.
Um caso análogo foi julgado pelo TJMG em 10/03/2016, no AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0349.15.002647-5/001. No julgamento, o Tribunal mineiro considerou a agência de veículos que vendeu e gravou regularmente a cláusula de ‘reserva de domínio’ (ou seja, não se tratava de uma simulação, mas, de um negócio válido), como responsável pelo pagamento do IPVA do veículo.
Além do tributo, o proprietário pode ser responsabilizado por infrações de trânsito.
O segundo risco é de responsabilidade civil.
O proprietário do veículo, que reservou o domínio pelo gravame de ‘reserva de domínio’, é responsável pelos danos, materiais e morais, causados pelo condutor a terceiros.
Trata-se de jurisprudência já consolidada, no seguinte sentido:
“Em ação de reparação de danos por acidente de trânsito, o proprietário do veículo responde solidariamente com o condutor pelos prejuízos causados a terceiros, por ser o responsável pela sua guarda, assumindo o risco de que o condutor, que o utilizou com ou sem sua permissão, produzisse danos a terceiros pelo seu uso indevido, dada a ausência de prova contundente a afastar a presunção de culpa “in eligendo” ou “in vigilando” do titular da coisa.” (TJMG, acórdão na APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.08.227498-6/001, publicado em 07/11/2017)Em casos limites, pode até ocorrer a responsabilização criminal.
Conclusões
Todos esses argumentos nos levam as seguintes conclusões:
1 – a ‘reserva de domínio’ não é uma garantia real, é uma cláusula do contrato de compra e venda;
2 – a ‘reserva de domínio’ lançada por Factoring, Securitizadora, Empresa Simples de Crédito, FIDC, ou ainda, empresa de consultoria e cobrança, configura simulação;
3 – a ‘reserva de domínio’ gera vários riscos para o proprietário (quem lançou o gravame):
3.1 – risco tributário ou fiscal: responsabilidade pelo pagamento do IPVA, das multas de trânsito e das taxas de licenciamento;
3.2 – risco de responsabilidade civil: responsabilidade pelos danos, materiais e morais, causados pelo condutor a terceiros;
3.3 – risco de responsabilidade criminal: responsabilidade por crimes cometidos com o veículo.