É comum encontrar uma ou outra empresa de Factoring registrada no Detran e filiada ao SNG, mas, com acesso restrito ao lançamento de reserva de domínio sobre veículos.
Essa não é uma operação correta e segura, pelo contrário, é ilícita e traz sérios riscos econômicos pra Empresa de Factoring.
Em verdade, defendemos, com fundamentação legal e jurisprudencial, que as Empresas de Factoring podem operar com garantia de alienação fiduciária de veículos.
O problema é de ordem prática, os Detran’s e o SNG não abrem o acesso para a alienação fiduciária por um único motivo: não há regulamentação infralegal pelo órgão incumbido disso, o CONTRAN.
Por isso há Empresas utilizando a reserva de domínio.
O que é reserva de domínio?
Reserva de domínio é uma cláusula especial no contrato de compra e venda de coisa móvel, regulada nos artigos 521 a 528 do Código Civil.
Pode ser facilmente entendida pela leitura dos dois primeiros artigos, o 521 e o 522:
Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.
Art. 522. A cláusula de reserva de domínio será estipulada por escrito e depende de registro no domicílio do comprador para valer contra terceiros.
Por óbvio, só existe reserva de domínio quando há compra e venda de bens móveis.
Pode haver reserva de domínio na operação de fomento?
Como no fomento comercial não há compra e venda de bens móveis, não pode haver cláusula de reserva de domínio.
Disso resulta uma simulação clara, nos termos do próprio Código Civil, veja:
Art. 167. É nulo o negócio jurídico simulado, mas subsistirá o que se dissimulou, se válido for na substância e na forma.
- 1oHaverá simulação nos negócios jurídicos quando:
(…)
II – contiverem declaração, confissão, condição ou cláusula não verdadeira;
Conclusão: a reserva de domínio lançada por Empresa de Factoring em operação de fomento é nula, por padecer do vício de simulação.
Se precisar recorrer ao Judiciário para fazer valer a garantia pretendida com a reserva de domínio sobre veículos, a Empresa de Factoring enfrentará entendimentos já consolidados nesse sentido, da nulidade por simulação.
Portanto, a operação com reserva de domínio não traz garantia jurídica nenhuma para a Factoring.
Na prática, é claro que a reserva de domínio traz um transtorno para o verdadeiro proprietário do veículo, que poderá preferir pagar o débito e se livrar do gravame, a procurar o Judiciário para sustentar a nulidade da cláusula por simulação.
Nesse ponto, vale a pena conhecer alguns riscos gerados por essa operação.
E quais são os riscos de uma Factoring operar com a reserva de domínio?
A reserva de domínio traz sérios riscos econômicos para Empresa de Factoring.
Primeiro, no âmbito tributário e fiscal.
O proprietário do veículo, que reservou o domínio pelo gravame lançado nele, é responsável pelo pagamento do IPVA.
Como o IPVA é um tributo Estadual, a legislação estadual é que trata dessa responsabilidade.
Em Minas Gerais, a reserva de domínio encontra previsão no art. 5º, III, da Lei Estadual nº 14.937, de 23/12/2003, vejam:
Art. 5º – Respondem solidariamente com o proprietário pelo pagamento do IPVA e dos acréscimos legais devidos:
(…)
III – o comprador, em relação ao veículo objeto de reserva de domínio;
Vejam que o dispositivo legal considera solidariamente responsáveis o proprietário (vendedor do veículo que consta no gravame lançado no CRV deste) e o comprador.
Um caso desses foi julgado pelo TJMG em 10/03/2016, no AGRAVO DE INSTRUMENTO-CV Nº 1.0349.15.002647-5/001. No julgamento, o Tribunal mineiro considerou a agência de veículos que vendeu e gravou regularmente a cláusula de reserva de domínio (ou seja, não se tratava de uma simulação, mas, de um negócio válido), como responsável pelo pagamento do IPVA do veículo.
Além do tributo, pode o proprietário ser responsabilizado por infrações de trânsito também aplicadas pela fiscalização estadual dos Detran’s.
Segundo, no âmbito da responsabilidade civil.
O proprietário do veículo, que reservou o domínio pelo gravame lançado nele, é responsável pelos danos, materiais e morais, causados com o veículo a terceiros.
Trata-se de jurisprudência já consolidada, no seguinte sentido:
“Em ação de reparação de danos por acidente de trânsito, o proprietário do veículo responde solidariamente com o condutor pelos prejuízos causados a terceiros, por ser o responsável pela sua guarda, assumindo o risco de que o condutor, que o utilizou com ou sem sua permissão, produzisse danos a terceiros pelo seu uso indevido, dada a ausência de prova contundente a afastar a presunção de culpa “in eligendo” ou “in vigilando” do titular da coisa.” (TJMG, acórdão na APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0024.08.227498-6/001, publicado em 07/11/2017)
Vejam que a Factoring, como proprietária do veículo, pela cláusula de reserva de domínio, ainda que simulada, pode ser responsabilizada pelos danos causados a terceiros pelo condutor daquele.
Todos esses elementos nos levam a advogar a tese de que a Factoring não deve operar com a reserva de domínio, seja pela simulação que está na sua origem, seja pelos riscos financeiros que essa operação lhe traz.